Já morei no centro da cidade, perto do Parque Aurora, perto do Calabouço. Já morei em todo canto, peguei carona na pista, perambulei em toda rua e, agora, pela primeira vez, fui assaltada, no Flamboyant, bairro elite.
Assalto não é uma coisa tão estranha, mas é traumático. Principalmente, porque foi natural. De moto, armado, só vi o revólver, nem olhei para o seu rosto. Estava tão aliviada, ele só queria o celular. Minha bolsa estaria intacta. Eu estaria a salvo de ficar sem minha agenda, sem meu estojo, meus cartões, meus documentos. Só em pensar em ter que fazer todos os meus documentos de novo, sofro. Estava de costas, ouvi “gatinha, passa o telefone”, pensei que fosse o número, virei e vi a arma.
Sei que não foi brincadeira. Não rio por achar que não foi nada, rio porque poderia ter sido pior. Foi um assalto, dois garotos na moto, como os que conversam comigo pelas ruas. Só vi um e nem olhei seu rosto. Sinto que poderia tê-lo abraçado de tão inofensivo que era na verdade. Não que não pudesse me matar com um tiro, mas porque não queria. Tinha a minha idade, era como um amigo com problemas, perdido.
Vi o ônibus e fiz sinal correndo, na hora em que o garoto ia falar alguma coisa. Talvez, fosse pedir a bolsa. Mas, quando vi o ônibus não olhei mais para eles. Só vi o ônibus e só sai andando. Acho que eles nem saíram com a moto, ficaram parados, sem entender o que estava acontecendo.
“Era gente da favela que foi p´ra lá”. Poderia ser, mas é um jeito muito preconceituoso de pensar. Eu nunca fui assaltada em lugar nenhum, nem dentro de favela. Fui assaltada em um bairro nobre. Por dois rapazes de moto, armados, de moletom, capuz, que me chamaram de gatinha e que, sinceramente, me pareciam playboys. Era gente de lá mesmo. Eu sinto. Continuo andando pelas ruas sem medo dos mendigos porque quem me assaltou estava com roupa de marca. E é desses que temos que ter medo.
Quando entrei no ônibus senti dor. O lugar para onde ele apontou o revólver doía. Era uma pontada tão forte, que fisgava e se espalhava pelas costas. Eu senti o tiro. Eu já havia vivido esse momento, fazia tempo, num sonho. A sensação era exatamente a mesma que eu tive agora, a dor. A sensação de que eu poderia morrer e que sentia medo, mas que ao mesmo tempo eu me entregava, me jogava em direção a bala que nem mesmo havia saído do revólver. Eu estava tensa, sentia a dor e estava viva – mais viva que antes – e estava de alguma forma feliz e queria de alguma forma rever aquele garoto que falou comigo e me assaltou. Queria ligar para alguém mas estava agora sem telefone celular.