sexta-feira, 13 de novembro de 2009

“Campos, visite antes que acabe”


Os que se importavam reuniam-se de luto sob o sol das onze horas. As mulheres, sempre intituladas como mais sensíveis (com orgulho), choravam aquela perda. Alguns homens bravejavam sua insatisfação, outros ponderavam, outros se uniam ao choro.

Não era uma pessoa que morria, é uma história que morre. A história de milhares, de milhões de pessoas. 175 anos de relatos sobre uma sociedade de memória curta. O jornal Monitor Campista, que nasceu antes mesmo da cidade que o abriga, Campos dos Goytacazes, simplesmente está às vésperas de não ser mais visto nas bancas, de não ser mais deixado no quintal dos tantos que o liam e dos tantos que ainda o leriam. Por isso parte da sociedade se uniu em um lamento, em um pedido, "Viva Monitor".

A cidade chora, ainda mesmo que não estivessem todos lá, em frente a sede do jornal. Todos choram porque nós somos a história que nos embala e o campista cada vez mais é privado de ter a sua história. É obrigado a ser uma página em branco, não ter personalidade, não saber qual é a sua cara. Cultura da cana de açúcar, do chuvisco, da goiabada. Queremos saber quem somos, nos orgulharmos até mesmo do que traz o riso a alguns, o nosso campistês, o nosso jeito peculiar de nos expressar, de trocar os fonemas, de nos xingar de “cabrunco”, “lamparão”. O campista que não se assume, que prefere fugir a lutar por algo de melhor para nós mesmos, que derruba teatros, que fecha jornais é o que não queremos aqui. Se tudo que nos representa continuar a vir ao chão, logo não haverá mais essa cidade. "Campos, visite antes que acabe. E, o último a sair apague a luz", disse uma das vozes revoltadas.

Quantos gritos precisamos dar para que nos ouçam? Sentimos falta sim daqueles de quem nos orgulharmos, em quem votamos para nos representar, para fazer a nossa voz soar mais alto. Orgulho é dizer que os meus professores estavam lá. A eles quero me unir sempre: Vitor Menezes, Fernando da Silveira, Leonardo Vasconcelos, também os amigos, os exemplos, representantes de sindicatos, jornalistas de outros jornais. Esses fazem parte da minha cidade. Os outros, os que não se importam devem ser figurantes que andam por aí e nunca olham de cara para a câmera.

Viva Monitor!

domingo, 30 de agosto de 2009

Estréia "Efígie"

11 de setembro de 2001. A poeira impedia as vítimas de enxergar o que acontecia. Um ícone do mundo capitalista vinha ao chão. O ataque ao “World Trade Center” entraria para a história. Oito anos depois, essa é a data escolhida para apresentar à cidade de Campos “Efígie” — a primeira produção cinematográfica de Carlos Alberto Bisogno. O curta-metragem, que traz em seu título à idéia de uma representação fúnebre, estréia neste 11 de setembro, às 20h, no Auditório Prata Tavares, no Palácio da Cultura.

No elenco, os atores Yve Carvalho e Kássyla Corrêa, em um enredo surreal, dão forma a um artista plástico e uma bailarina que, angustiosamente, se envolvem. Alberto Bisogno além de dirigir o filme, é compositor da trilha sonora, produtor, editor e roteirista. Assim como a assistente de direção, Lívia Nunes, também é responsável pela direção de fotografia. A direção de arte teve a assinatura de Angélica Liaño. A Maquiagem ficou nas mãos de Marcinho Manhães e a maquiagem de efeito foi feita também por Liaño. A coreógrafa foi a bailarina Michelle Cristinne do Núcleo de dança Chamart.

— A dificuldade de encontrar pessoas que se comprometessem a realizar o projeto conosco por pura paixão, sem apoio financeiro, fez com que cada um acumulasse todas as funções que podia. Isso acabou ajudando no final. Os resultados foram os melhores. A coreografia para a personagem me deixou muito satisfeito. Senti que a coreógrafa entendeu exatamente o que eu queria dizer com filme. A direção de arte também deu o tom certo para a história e a fotografia em suas variadas tonalidades foi o véu que direcionou a forma como as cenas seriam encardas, em alguns momentos, tirando-lhes o peso e, em outros, acrescentando — confessa o diretor e idealizador da produção.

O enredo retrata um momento da vida de um artista plástico que se intercala com a de uma bailarina, ambos atormentados pelo vazio de suas vidas e pelo fracasso, cada qual do seu jeito. Ela opta pela morte; ele em sua angústia decide retratá-la, mesmo tendo que invadir a morte para poder criar o seu quadro.

— Esse filme é uma incógnita na mente de quem o assiste porque não foi feito para que alguém sente e receba uma informação pronta. Há um diálogo entre o filme e o espectador. Cada um tem uma interpretação diferente dessa história — diz.

Como cenário, o filme usa apenas três ambientes, que são um quarto, uma sala e um bosque. Espaços procurados e analisados para que pudessem servir como o esperavam. Nenhum ambiente, assim como as roupas e os objetos utilizados, poderia especificar exatamente a época e o lugar onde a história se passa.

— No elenco, o Yve foi, sem dúvida, um presente para o meu primeiro filme. Eu não esperava que um ator com uma carreira tão estabelecida no teatro fosse abraçar tão prontamente um projeto no qual teria que confiar inteiramente em um desconhecido, que era eu — conta Bisogno, completando com a satisfação de ter encontrado também a atriz certa. “A Kássyla foi um verdadeiro achado. Várias atrizes desistiram deste projeto pela sua intensidade e necessidade de dedicação. Sabia que somente alguém que realmente se entregasse à arte de ser uma atriz aceitaria esse papel. Ela, tão jovem, apesar do teor forte do enredo, aceitou e foi como se só ela pudesse ter realizado esse papel”, comenta.

Apesar de chamado popularmente de curta-metragem, o filme de 19 minutos e 18 segundos é considerado um média-metragem, de acordo com a classificação da Ancine — Agência Nacional de Cinema. Criando uma união das artes — típica da cinematografia, “Efígie” tenta englobar a literatura, a fotografia, o teatro, a música, artes plásticas e a dança em seus poucos minutos.

— Não tivemos apoio financeiro de nenhuma espécie, porém apesar das inúmeras dificuldades decorrentes disso, pudemos contar com pessoas que se dispuseram a nos ajudar da forma que puderam, como o cinegrafista Willen “McGyver” de Paula e a colunista social Lenilda leonard. Com o talento da equipe e a boa vontade dos amigos, conseguimos superar as dificuldades — diz.

Apesar da estréia marcada, essa não é a primeira exibição pública de “Efígie”. Ele foi, apresentado, em duas exibições, no início do mês de agosto na Mostra Informativa do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, na cidade do Rio de Janeiro. Agora, a equipe, espera ansiosamente, o dia de apresentar o filme à Campos.

— 11 de setembro é um dia que carrega, desde 2001, um peso muito grande. O atentado foi um choque para o mundo, assim, como eu desejo que “Efígie” seja um choque para os que o assistirem, um atentado. As pessoas precisaram parar para pensar no por que daquilo tudo, assim como esse filme não pode ser visto superficialmente. Inevitavelmente, é preciso mergulhar em si mesmo, e procurar em si as respostas — finaliza.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um Revólver e Um Celular

Já morei no centro da cidade, perto do Parque Aurora, perto do Calabouço. Já morei em todo canto, peguei carona na pista, perambulei em toda rua e, agora, pela primeira vez, fui assaltada, no Flamboyant, bairro elite.

Assalto não é uma coisa tão estranha, mas é traumático. Principalmente, porque foi natural. De moto, armado, só vi o revólver, nem olhei para o seu rosto. Estava tão aliviada, ele só queria o celular. Minha bolsa estaria intacta. Eu estaria a salvo de ficar sem minha agenda, sem meu estojo, meus cartões, meus documentos. Só em pensar em ter que fazer todos os meus documentos de novo, sofro. Estava de costas, ouvi “gatinha, passa o telefone”, pensei que fosse o número, virei e vi a arma.

Sei que não foi brincadeira. Não rio por achar que não foi nada, rio porque poderia ter sido pior. Foi um assalto, dois garotos na moto, como os que conversam comigo pelas ruas. Só vi um e nem olhei seu rosto. Sinto que poderia tê-lo abraçado de tão inofensivo que era na verdade. Não que não pudesse me matar com um tiro, mas porque não queria. Tinha a minha idade, era como um amigo com problemas, perdido.

Vi o ônibus e fiz sinal correndo, na hora em que o garoto ia falar alguma coisa. Talvez, fosse pedir a bolsa. Mas, quando vi o ônibus não olhei mais para eles. Só vi o ônibus e só sai andando. Acho que eles nem saíram com a moto, ficaram parados, sem entender o que estava acontecendo.

“Era gente da favela que foi p´ra lá”. Poderia ser, mas é um jeito muito preconceituoso de pensar. Eu nunca fui assaltada em lugar nenhum, nem dentro de favela. Fui assaltada em um bairro nobre. Por dois rapazes de moto, armados, de moletom, capuz, que me chamaram de gatinha e que, sinceramente, me pareciam playboys. Era gente de lá mesmo. Eu sinto. Continuo andando pelas ruas sem medo dos mendigos porque quem me assaltou estava com roupa de marca. E é desses que temos que ter medo.

Quando entrei no ônibus senti dor. O lugar para onde ele apontou o revólver doía. Era uma pontada tão forte, que fisgava e se espalhava pelas costas. Eu senti o tiro. Eu já havia vivido esse momento, fazia tempo, num sonho. A sensação era exatamente a mesma que eu tive agora, a dor. A sensação de que eu poderia morrer e que sentia medo, mas que ao mesmo tempo eu me entregava, me jogava em direção a bala que nem mesmo havia saído do revólver. Eu estava tensa, sentia a dor e estava viva – mais viva que antes – e estava de alguma forma feliz e queria de alguma forma rever aquele garoto que falou comigo e me assaltou. Queria ligar para alguém mas estava agora sem telefone celular.